terça-feira, 17 de junho de 2008

A tradição e o medo

Texto interessante para aqueles que assistiram ou pretendem assistir ao filme "A vila". O relato a respeito de um povo que estando no presente, vive como se em outro século do passado, com os mesmos costumes e medos. A maneira como os líderes manipulam os moradores para crerem nas absurdas irrealidades.
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Uma visão metafórica para o filme “A VILA”.
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A tradição vive do medo. Tem sua propagação e permanência no incentivo da crença ao medo. A Tradição é mecânica, repetitiva, rotineira; não existe frescor na mesma. A tradição se alimenta de mitos, lendas, contos, carregados do medo e cumpabilidade. A liderança faz com que a massa não questione aquilo que é incentivado pela tradição. A liderança, por sua vez, sabe como tocar nos botões de medo e culpa da massa; sabe manipular e consegue estigmatizar qualquer ser pensante com os rótulos de rebelde. Elege “bodes expiatórios”, incita o medo, a culpa e o conformismo. Sempre procura inibir qualquer idéia contrária a tradição. Não demonstra o interesse de compreender o que uma nova idéia representa. Por se encontrar numa zona confortável de “respeitabilidade”, a liderança não possui a mente aberta para a reflexão em novos pontos de vista, nem em novas experiências. Por viver na base do medo, não se permite cruzar as fronteiras das florestas do desconhecido e viajar em novos níveis de consciência. Qualquer movimento para se falar contra o estabelecido pela tradição, é sempre visto com maus olhos, repletos de medo e intolerância e não é rara a punição através da ação do ostracismo, a todo ser questionador. A liderança está sempre presa na emoção e no medo. Não consegue ver a pureza que se encontra num novo paradigma. A desaprovação do novo paradigma é unânime por parte da liderança; ela não quer compreender o que se passa nas idéias de um ser questionador. O ser pensante questiona o tempo todo, mesmo não tendo as respostas. Convida as pessoas ao seu redor ao questionamento, que sempre barradas pela lente do medo e do conformismo, não se atrevem a olhar com novos olhos. O ser pensante, questionador, representa um perigo para a zona de conforto e para a respeitabilidade estabelecida pela liderança. Grande parte das pessoas demonstram claramente o seu medo de estar ao lado das pessoas que pensam; possuem o medo de perder a respeitabilidade do grupo e quase sempre se afastam da mesma. Toda e qualquer manifestação contrária ao estabelecido pela tradição, é sempre abafada através de atitudes manipuladoras originárias das reuniões nos bastidores sombrios da liderança, que incitam o medo como forma de não se entregar a uma reflexão quanto ao novo paradigma. O ser pensante quase sempre é “diagnosticado” como um rebelde, um louco, um instigador da quebra da unidade e bem-estar coletivo – sendo reforçado o convite de se estar atento aos movimentos do chamado “rebelde”; para se estar atento a possíveis exposições dos mais novos ás idéias de tal rebelde. Como a massa não pensa, aceita de pronto as idéias contrárias da liderança ao novo paradigma e não raro, se identifica com o medo instalado pelas idéias contrárias da liderança. A tradição vive das experiências mortas do passado, dos ritos, das convenções, das superstições; não há frescor, muito menos originalidade em si mesma – ela mata toda autenticidade e sensibilidade. A tradição quer ficar presa na mesmice e repudia qualquer pessoa que seja realmente “diferente” do convencional.

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Outro fato interessante é o que a liderança foge da tristeza por várias maneiras, mas, não consegue admitir plenamente e abertamente de que é vitima constante dessa tristeza. Seus conflitos estão sempre trancafiados no escuro da inconsciência. Escondem-se por detrás de uma mascara de inteligência, sabedoria e espiritualidade. As idéias que são aprovadas pela liderança são aquelas as quais julgam não ser uma ameaça para a zona de conforto do coletivo e para proteger essa zona de conforto, vive a contar estórias do passado como uma maneira de manipular e embaçar a natureza do desejo do novo paradigma. A liderança não pensa no bem estar do coletivo, mas sim, em manter seus próprios desejos de segurança, em manter seus segredos trancafiados no inconsciente, motivados pela ação dos medos inconscientes, guardados em segredos. Mas o rebelde consegue ver a insegurança por detrás da máscara de bem-estar coletivo. Ele vê e sente a insegurança do coletivo. A liderança se agarra ao seu pacote de memórias como uma forma de segurança psicológica contra os erros do passado. Mantém sempre acesa a chama do passado, que com sua fumaça, embaralha a visão do presente. Acreditam que o esquecimento do passado possa fazer com que ele renasça no presente. O rebelde não teme abrir a caixa de memórias do passado para colocá-las a luz da consciência. Ele quer se permitir esse movimento e libertar-se de vez do medo coletivo do passado. Mas a liderança não quer a liberdade, quer apenas falar em liberdade. Na visão da liderança, a atitude do rebelde em relação ao desconhecido é encarada como insensatez. Mas o rebelde, movido por seus mais profundos sentimentos, não tem como deter esse impulso ardente em direção ao desconhecido. Ele quer conhecê-lo, quer tocá-lo e por causa disso, avança vacilante, mas avança. Algumas das pessoas da massa, até acham bonita a coragem do rebelde em enfrentar a tradição, mas alegam que não acham certo esse tipo de ação. Mas o rebelde não se conforma com a limitação da visão da tradição. Ele quer ver mais. Quer ver o mundo livre da visão da tradição. Ele quer ver o novo e voltar para de algum modo, ajudar a massa na ampliação de sua visão limitada. Mas essa atitude causa nós nos estômagos do coletivo. Mas, em cada contato entre o rebelde e a massa, algo vai se instalando na consciência daqueles que ouvem, com a mente aberta, que de modo algum, não voltam a ser os mesmos de antes. O rebelde não teme a desaprovação geral, o ostracismo. Prefere a isso do que viver escondido em seu quarto escuro da inconsciência e do medo. Assume sua postura de rebeldia ao tradicional diante da liderança. Sente muito por não poder se conformar ao que é estabelecido pela tradição, mas, precisa seguir seus impulsos mais profundos. Ele se ressente pelo mal estar causado, mas sabe que não pode voltar atrás e torce para que seu modo de ver a vida não cause mais sofrimentos aos seus entes queridos. Com profundo pesar, se entrega a solidão de sua própria busca. O mal estar e constrangimento coletivo diante de tal postura é notório. No entanto, alguns dos membros da liderança admiram e invejam silenciosamente a coragem de tal atitude do rebelde, mas admitem para si mesmos que não possuem a coragem para tal abandono.

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A liderança acredita na tradição da prece, das oferendas como uma forma de restauração do bem-estar pessoal, coisa que se apresenta como total absurdo aos olhos do rebelde. Ele assiste a tudo isso em meio de sua solidão mental. A liderança se preocupa com as aparências e por isso, só aparentemente vive. A tradição da liderança impede a existência de uma verdadeira intimidade entre os seres humanos. Ninguém ousa ir mais fundo e por isso, não há como “tocar” o outro. A liderança manipula os acontecimentos; manipula as informações de modo que as pessoas não entrem em contato com a realidade de seus sentimentos. Todos precisam mostrar eficiência e alegria. A tradição mantém todos juntos num mesmo caminhar vacilante. Medos coletivos são expostos como forma de manipulação. O medo é instalado como um modo de se fazer censura. E se algum rebelde viola as fronteiras do conhecido, reuniões entre as lideranças são instauradas, uma vez que o coletivo não pode tomar consciência da falência da tradição. Mas nem isso consegue fazer com que o rebelde recue. Ele enfrenta o próprio medo e segue adiante. Alguns membros da massa questionam a coragem do rebelde diante do medo dos demais. Mas os olhos do rebelde não se encontram no futuro, mas sim, no presente, NAQUILO QUE DEVE SER FEITO. Ao mesmo tempo em que encontra dificuldades para expressar o que pensa, sente um forte impulso para expressar o que pensa. Não consegue para de se questionar.

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Mas o absurdo se manifesta mais cedo ou mais tarde e é através do absurdo que a graça do novo paradigma pode se manifestar. A tradição acredita no poder do pensamento positivo, vive na busca do poder, do prestigio e das posses e por isso é uma eterna fonte de conflitos. Mas o rebelde não aceita esse modo de vida. Ele lidera enquanto os outros apenas seguem. Ele vê luz onde os outros só vêem escuridão. Ele tem os olhos cerrados para as cores da tradição. Ele sabe onde se encontra e sai solitário em busca de medicamento para as feridas de seu próprio interior e dos demais. Ele enfrenta os próprios medos e segue adiante, tateando por lugares onde não há caminhos, sem nenhuma fonte de apoio e segurança. O rebelde consegue compreender a falta de coragem da massa e da própria liderança em enfrentar os próprios medos e o desconhecido da floresta da inconsciência. Ousa entrar em contato com aquilo que os outros não ousam mencionar e percebe que tudo não passa de uma crença, de uma farsa. Ao tomar consciência disso, não há mais espaço para a crença e para o medo. Ele segue me frente. Percebe que não precisa mais ter o medo causado pela crença. A liderança teme entrar em contato com os próprios sentimentos e perceber a total falta de sentido de sua existência, por isso não vai mais fundo e impede que os outros também o façam. O rebelde fica triste pela liderança e a massa, mas segue sua busca. O rebelde deu o seu próprio coração a essa causa e está pronto para assumir esse fardo que por direito é apenas seu. A liderança nesse momento se esquece de que o que os movia era o mesmo tipo de sentimento de algo melhor que incentiva o rebelde a seguir seus sentimentos mais profundos. Não consegue se perceber de que o medo é que os manteve na zona de estagnação, no qual, o rebelde não se conforma a se entregar. A liderança, devido a tal zona de estagnação, perdeu a sensibilidade e o poder de agir segundo o coração. Suas atitudes são apenas racionais, baseadas no auto-interesse, no intelecto dominado pelo medo. O que a liderança não se dá conta é que faltam pessoas para perpetuarem o antigo paradigma e que mais cedo ou mais tarde ele terá que se render ao novo paradigma. Não conseguem perceber que o futuro depende do rebelde. Não percebem que ao negarem olhar para o novo paradigma, abrem mão de toda inocência. Perdem a chama interna do amor, que é a própria essência que motiva ao rebelde. Nessa busca solitária, o rebelde terá que lidar com as próprias vozes interiores de seus condicionamentos, será um tempo para explorar e aprender sobre si mesmo, livre de qualquer livro, mestre ou disciplina. Tropeçara em buracos sombrios, mas suas raízes não deixaram que se perca. Abandonará suas muletas e toda forma de segurança. Aprenderá com as próprias feridas. Lidará com os próprios fantasmas. Talvez seu medo o faça andar por alguns períodos em círculos. Seus pensamentos virão à mente com toda carga de medo, mas ele começará a perceber o que é falso, o que não é real. E através dessa visão, chegará ao que é real, onde já não há mais espaço para o medo. Para o rebelde, a vontade de viver é muito grande. O rebelde caminhará, sozinho, até encontrar sua própria estrada e sairá da floresta da inconsciência. Quando menos esperar, se deparara com os grandes muros da tradição e terá que fazer um grande esforço para transpô-los, sem nenhum tipo de ajuda. O rebelde descobrirá por si mesmo, que os grupos de ajuda, baseados na tradição, mantém as pessoas presas em seu passado; preserva um modo de vida selvagem, medíocre. O rebelde tem pressa; sabe da urgência das respostas. Sabe como mais ninguém, o quanto que sua saúde psíquica encontra-se em grande risco, bem como de muitos outros. A liderança tentará – como sempre – manipular as informações para a massa não pensante. Mas, a verdade permanecerá viva dentro do coração do rebelde, que em contato com outros rebeldes iniciará uma revolução de consciência.
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Fonte: (Nelson Jonas)
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