terça-feira, 26 de agosto de 2008

Um jogo mortal

Um jogo mortal
Enéias Teles Borges


“Eis o jogo, o grande putrefator. Diátese cancerosa das raças anemizadas pela sensualidade e pela preguiça, ele entorpece, caleja e desviriliza os povos, nas fibras de cujo organismo insinuou seu germe proliferante e inextirpável” (Rui Barbosa).

Ontem, depois que saí do Fórum João Mendes, fui a uma lanchonete, no Centro de São Paulo, que fica próxima à Praça da Sé. Lá eu fiquei conversando com amigos e a falação foi direcionada para o cantor que tinha vendido um CD para os donos do barzinho. Era de um cantor famoso que agora vive vendendo suas produções e outros produtos. Fiquei impressionado! Como seria possível aquele cantor estar quase mendigando? Os amigos responderam: ele é viciado em jogo!

Dizem até que ele parou com o vício. Não é bem assim... Ele parou porque não tem mais dinheiro! Jogar como? Numa noite de jogatina ele perdeu cerca de 500 mil reais! Como é possível algo assim?

Até bem pouco tempo os bingos eram oficializados no País. Rios de dinheiro passavam por essas casas de jogo. Pessoas idosas e jovens consumiam o que tinham e o que não tinham. Perdiam sempre, mas conservavam a esperança do lucro aparentemente fácil. É possível entender: se fosse tão simples ganhar mais do que perder as casas de jogos estariam quebradas. Sequer existiriam...

Quantas vezes eu vi pessoas gastando moedas e mais moedas nas máquinas de caça-níqueis? Pessoas que deixavam de comprar alimento para suas casas. O jogo perverte mesmo!

Existe algo mais letal? Sim, claro. Fazer da vida um jogo é o mais cruel dos perigos. Viver a vida como se ela fosse eterna é um jogo. Viver a vida sem pensar é um jogo. Agir com base em ensinamentos não questionados é um jogo. Viver como papagaio (imitador/repetidor de vozes) é um jogo. Fazer da vida uma loteria é jogo mortal.

Muitos jogam dinheiro nas casas de jogatina. Muitos jogam a vida nas escolhas impensadas e nas práticas repetidas por puro reflexo condicionado. Quanta loucura neste mundo dos mais variados jogos e seus violentos problemas!

“Eis o jogo, o grande putrefator. Diátese cancerosa das raças anemizadas pela sensualidade e pela preguiça, ele entorpece, caleja e desviriliza os povos, nas fibras de cujo organismo insinuou seu germe proliferante e inextirpável” (Rui Barbosa).

Bom dia Brasil!
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Um comentário:

Cleiton Heredia disse...

Enéias,

Concordo contigo (e com o Rui Barbosa) quanto aos viciantes jogos de azar com finalidade de lucro e como substituto para o trabalho diligente e honesto. Mas vamos separar bem este tipo de jogo daquele outro tipo jogado apenas como passatempo na família ou com amigos objetivando apenas momentos descontraídos de prazerosa sociabilidade.

Os jogos de tabuleiro tipo xadrez são poderosas ferramentas para desenvolver o raciocínio e são até utilizados em algumas escolas como uma ferramenta auxiliar para incrementar a aprendizagem. Tenho certeza que Rui Barbosa (nem você) estava se referindo a este tipo de jogo.

Agora, quanto à aplicação filosófica de sua postagem que menciona o perigo de fazer da vida um jogo, vamos refletir melhor. Será que viver sem questionar alguns paradigmas culturais e/ou religiosos pode ser comparado ao deletério efeito de desperdiçar bens materiais e até a saúde em uma vida de jogatinas?

Tenho cá minhas dúvidas. A mesma ignorância pode ser alienante para uns e fator de felicidade para outros. Vamos tomar por base uma pessoa que sempre acreditou num Deus pessoal, justo e bom. Para esta pessoa, todas as estressantes dificuldades da vida foram enfrentadas com a confiança (fé) de que nada acontece por acaso e de que Deus está dirigindo tudo de maneira soberana. O resultado (pelo menos teórico) é de uma vida vivida em paz, segurança e esperança.

Imaginemos agora que esta mesma pessoa resolva questionar estes paradigmas e como resultado se transforme num agnóstico ou ateu. Será que ao passar pelos mesmos problemas de antes conseguirá encontrar dentro de si a paz, segurança e esperança que antes tinha em Deus? (pode ser que sim, mas também pode ser que não).

Se viver como um papagaio é um jogo, o que então esta pessoa sacrificou? O que ela perdeu em sua breve vida ao crer num Deus que a ama e se preocupa com cada detalhe de sua vida? Caso realmente Deus não exista (o que eu considero muito improvável), caso a salvação e a vida eterna não passem de contos de fadas, qual foi o grande prejuízo que esta pessoa teve em sua vida que possa equiparar-se aos malefícios do jogo deletério?

Alguns podem dizer que é terrível ver uma pessoa passando pela vida crendo e vivendo uma mentira. Mas eu insisto: Mesmo que sua crença seja uma mentira, mas fez dela uma pessoa melhor e lhe ajudou a viver neste mundo de uma melhor forma (mais feliz), que mal há nisto?

Aqueles que conseguem serem felizes em sua eterna busca pela verdade que continuem, mas acho que não podemos ser tão rápidos em julgar aqueles que preferem encontrar sua felicidade de uma outra maneira (quem sabe numa pseudo-alienação).

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