quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Bitolados da fé?

A bitola é medida-padrão na construção ou indústria. Numa derivação, via sentido figurado, pode ser padrão, regra, opinião, padrão moral, etc. Já o adjetivo “bitolado” indica o que tem idéias ou conhecimento estreitos, rígidos, limitados, ultrapassados. Ainda temos: quadrado, careta e regulado na medida certa.

Outra forma de se referir ao bitolado, no contexto que proponho, é chamando-o de “tapado”. Trata-se de uma referência à tapa: venda ou pano que se põe em burro arisco, quando se quer arreá-lo ou carregá-lo.

Lembro-me de explicações dadas com respeito à tapa, dando conta de que era usada em cavalos, burros e similares quando eram empreendidas viagens por caminhos tortuosos e com precipícios. De maneira que a tapa impedia, ao animal, ver o que estava à direita e à esquerda. Desse modo ele iria sempre em frente, sem medo do que estivesse dos lados e, principalmente, sem desviar do caminho à frente.

A explicação, à época, tinha um objetivo: mostrar que o ser humano poderia perfeitamente ser um tapado ou bitolado. As palavras tinham o mesmo sentido, pois se referiam à condição de se possuir conhecimento estreito e, via de regra, adquirido de terceiros, sem qualquer tipo de ponderação crítica.

Viviam-se os anos de chumbo. A desesperança estava instalada, mas não percebida. O povo tinha sido condicionado a pensar de forma bitolada. Eram cidadãos sinceros, mas tapados pelas circunstâncias e força do hábito. Hábito? Pois é...

O ranço da ditadura foi diminuindo dia após dia. Deixou, entretanto, num segmento social a pujança que possuía para alienar, a saber: no segmento religioso!

Habituadas que estavam a pensar o que queriam que pensassem, as pessoas transmitiram esse tipo de comportamento aos filhos – no que tange às crenças religiosas. Daí cada segmento acreditar piamente que é o único que tem a verdade. Como não poderia ser assim? Desde a mais tenra idade a bitola era implementada e a conseqüente proibição velada para que se olhasse para os lados. Só para frente! O caminho estava traçado! Tinha que seguir.

Esse tipo de atitude, implantada de cima para baixo pelos pais e líderes, é conhecido por religião. Sabe-se que não passa de cultura religiosa condicionante, não é? Mas a bitola fez os tapados acreditarem que aquele caminho indicado era e é o caminho único para o céu.

As reflexões que se fazem necessárias:

Continuar seguindo pelo caminho traçado por meio da prática cotidiana é decorrente de convicção pessoal? É possível atribuir a alguém que conhece apenas uma única versão de muitos fatos a condição de ser pensante da fé? Não seriam tais pessoas, de boa índole – é certo, bitoladas e "semi-cegas"?

Afinal que gente é essa, que se arvora à condição de única portadora da verdade, conhecendo apenas uma versão dessa suposta verdade?

Que povo é esse que transmite a tradição, via bitola, e ainda se diz paradigma para o mundo? Afinal o que é isso, que nos causa espécie, mal-estar, sensação de insegurança, medo e ainda nos quer impor um traçado que parece conspirar contra o bom pensamento doutrinário?

É preciso fugir da alienação. Coragem, coragem e coragem!

Enéias Teles Borges
Postagem original: 15/08/2008
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2 comentários:

Cleiton Heredia disse...

Inspirador!
Esta sua postagem acabou inspirando a minha postagem de hoje.

Ricardo disse...

Olá Enéias,

Seguindo sua linha de raciocínio eu diria que em relação à verdade não são as pessoas que são cegas, mas que, o compartimento no qual estão inseridas é que é tomado de trevas impedindo-as de enxergar. Mas sempre há uma saída de emergência à disposição daqueles que realmente querem ver a luz.

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