sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Hugo Grócio e o Direito Natural

O texto abaixo, de minha autoria, foi para cumprimento de obrigação acadêmica. Mestrado de Filosofia na Universidade São Judas Tadeu. Créditos cumpridos, monografia não apresentada. Uso livre, desde que a fonte seja indicada.

Hugo Grócio e Direito Natural

I. Introdução

Hugo Grócio nasceu na Holanda, na cidade de Delft, em 1583 e teve, no berço, uma formação religiosa de influência familiar (na forma de um cristianismo mistificado), pois o pai era protestante e a mãe católica. Já em 1607, exercendo a profissão de advogado, em Haia, sede do governo do holandês, começou a se interessar pelas questões do Direito.

Convém salientar que o ambiente (cidade) no qual Grócio nasceu e foi criado era eminente na Holanda, isto é, a cidade predominava em relação ao ambiente rural (feudal). Como os comerciantes tinham um sistema administrativo e judiciário que funcionava de forma autônoma, em relação aos senhores feudais, há que se notar uma transformação importante: uma estruturação comunitária de formato corporativo que possibilitava alianças com outros organismos similares.

Esta forma de autonomia evoluiu ao ponto de se aproximar, com o correr dos anos, no conceito atual de soberania.

Com a sua formação, solidificada neste contexto, Hugo Grócio fez refletir em sua teoria do Direito Natural esse desejo de autonomia.

Esta doutrina do Direito Natural se manifesta, inicialmente, em relação ao pensamento teocrático predominante, à época. Para o célebre pensador, Deus não era mais o referencial do Direito e sim a natureza do homem e das coisas. O Direito Natural torna seus ditames imutáveis, independentemente da existência ou não do Ser Superior.

Ele assevera: “O direito natural é tão imutável que não pode ser mudado nem pelo próprio Deus”. (...) E mais: “Do mesmo modo, portanto, que Deus não poderia fazer com que dois mais dois não fossem quatro, de igual modo ele não pode impedir que aquilo que é essencialmente mau não seja mau”.[1]

Conclui-se, inicialmente, que são: o método dedutivo e a influência do raciocínio matemático e geométrico, que possibilitam à reta razão alcançar as regras invariáveis da natureza humana.

Assim é que à luz deste entendimento, concernente ao Direito Natural, é possível legitimar a paz, na busca pela harmonia social. É possível, também, condenar ou justificar a guerra, qualificando-a de justa ou de injusta.

É nosso objetivo, neste artigo, analisar pontos do pensamento de Hugo Grócio, quando trata da Guerra e da Paz. E ao final entender a forma como ele condena ou justifica a Guerra.

II. A Guerra e a Paz

Quando trata da Guerra, Grócio também se imiscui no assunto da paz. É natural que assim observemos, pois fica transparente ao leitor atento, que o filósofo sugere qual deva ser a meta principal da guerra: “Como, porém, a guerra é empreendida em prol da paz e como não há nenhuma contenda da qual não possa decorrer uma guerra, não será fora de propósito, no âmbito do direito da guerra, tratar de todas essas espécies de debates que surgem habitualmente. A própria guerra nos levará à paz como a seu último fim”.[2]

Uma leitura meramente superficial poderá sugerir uma contradição: a guerra sempre é tida como oposição à paz. Afirmar que a guerra busca um fim e que este objetivo é a paz, parece um contra senso.

É claro que Hugo Grócio contextua seu pensamento, à luz do que entende ser a natureza humana.

Os homens, dentro de um ambiente de relacionamento, sempre terão controvérsias a resolver e Grócio demonstrou que a guerra (pública ou privada) é um estado, do qual os indivíduos se servem, para sanar as contendas.

Existem premissas que precisamos considerar neste artigo. E que são preciosas, para compreensão do ideário do filósofo:

A primeira delas diz respeito ao objeto da guerra: que é a paz. E quando assim assevera Grócio invoca os princípios naturais primitivos. Deixa claro que não existe um só princípio natural que conspire contra a guerra.

É óbvio supor que a paz, no caso em tela, diz respeito à preservação da vida, conservação do corpo e a obtenção de utilidades práticas à existência.

De sorte que, para defender essas garantias naturais, a guerra é plenamente justificável.

Não é diferente quando o mesmo tema é considerado dentro de um contexto social, pois, em sua obra, o filósofo pondera que a sociedade deve primar para que as pessoas se mantenham apenas naquilo pertencente a elas. Afinal a vida, o corpo e a liberdade são bens indisponíveis e atentar contra eles seria prática injusta.

É mister observar por este aspecto porque a conclusão é lógica: se todos ficassem adstritos às suas prerrogativas, não haveria guerra.

Não havendo respeito, aos direitos alheios, a guerra se tornaria justificável e revestida de um único propósito: a obtenção do status anterior a ela (guerra), ou seja, todos se limitando apenas aos seus direitos que lhes estariam circunscritos.

Como se conclui, o pensamento de Hugo Grócio não é o de insuflação à guerra, como um fim. É, primordialmente, o meio viável de busca pela paz.

Outra premissa essencial é aquela que se concentra na contenda. O eminente pensador é objetivo e preciso ao afirmar que não existe contenda que possa ser resolvida sem a guerra.

Na realidade há que se considerar a existência de outra possibilidade, para se resolver uma controvérsia: a força do diálogo ou da argumentação.

Em se resolvendo desta forma, a controvérsia não se instalaria. Quando Grócio se prende ao uso da força é num estágio em que o diálogo não mais seria possível. A controvérsia já estaria implementada.

Quando as pessoas passam a zelar pelos próprios interesses sem interferir nos interesses dos semelhantes, o fazem no exercício de um direito e, logo, não estão agindo contra a natureza.

O fato é que o zelo pelo direito, num contexto em que não há diálogo, gera uma controvérsia e tal contenda fatalmente promoverá a guerra.

Desta forma, Grócio vincula a necessidade de se buscar a paz, pelo exercício da guerra, posto que, somente desta forma seria possível resolver a controvérsia.

A última premissa sugerida pelo filósofo é seqüencial, complementando as duas anteriores: a mesma guerra que ocorre em função da paz e foi provocada pela controvérsia, reconduz à paz, pois este é o seu escopo.

A paz é obtida, ao final, quando uma das partes é vencida ou reconhece ser a outra detentora do direito em litígio.

Este resultado legitima os resultados da guerra, pois esta teria ocorrido dentro dos requisitos inerentes à natureza humana.

A promoção da guerra para manutenção do direito de um ou da coletividade é um direito natural.

O nascedouro desta guerra é a controvérsia e esta é oriunda do desrespeito ao direito do semelhante.

A mesma guerra alcançará, finalmente, o seu fito. O retorno à paz. E nesta concepção é notória a coerência do pensamento de Grócio.

III. Conclusão

Hugo Grócio considerou fundamental ponderar acerca da possibilidade da existência, ou não, de uma guerra justa. Vai além ao propugnar que seria de vital importância (caso se conclua que determinada guerra seja considerada justa) o que, efetivamente, existiria de justo, nesta guerra.

Para definir o justo, parte para a análise objetiva do injusto e o faz da seguinte forma: “Ora, é injusto o que repugna à natureza da sociedade dos seres dotados de razão”.[3]

Cita, inclusive, Cícero, e corrobora com o pensamento dele, quando sugere ser contra a natureza, despojar o outro em vista de proveito próprio.

A conclusão, à qual se chega, é que o fator determinante e definidor do caráter justo ou injusto de uma guerra, é a mensuração do objetivo dela (guerra).

Desta forma podemos afirmar que agir de forma contrária à natureza seria promover uma guerra injusta. Preservar o que é direito, após, instalada a controvérsia, naturalmente seria uma guerra justa.

É importante ver a promoção de uma guerra por este ponto de vista. A justeza de uma guerra não está nela mesma, mas em sua motivação.

Caso determinados componentes da sociedade humana viessem a se enveredar por um caminho, de usurpação do que pertence a outros elementos desta mesma sociedade, a comunidade em questão não subsistiria.

Qual é o meio de evitar esta tragédia? Agir em conformidade com a natureza.

Como seria possível, aos seres dotados de razão, proceder de acordo com a natureza, num contexto em que outros elementos não agem desta maneira? Promovendo uma guerra (justa), que ao final trará a paz.

Fica patente que obedecidos os critérios da reta razão, é possível a existência de uma guerra justa. Afinal ela tem por objetivo precípuo a busca e manutenção da paz e conseqüentemente da preservação da vida e de seus acessórios, que se seguem a este dom principal (vida).

IV. Bibliografia

GROTIUS, Hugo. O Direito da Guerra e da Paz. Ijuí: Unijuí, 2004.
[1] Extraído do livro “O Direito da Guerra e da Paz” de Hugo Grotius, página 81.
[2] Idem, página 71.
[3] Idem, Idem: página 73.

Publicação original: 20/12/2007
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2 comentários:

Anônimo disse...

Muito interessante... Realmente Hugo Grócio foi um ícone do Direito natural e internacional por entender e dissernir a justeza da guerra, utilizando-a como última alternativa a fim de se manter a paz.

Anônimo disse...

Muito legal :) Há pouco tempo, só por curiosidade, eu comprei na Saraiva uma versão PocketBook de "Do Contrato Social", de Rosseau. E ele cita Grócio em vários trechos, o que me deixou meio confuso em algumas partes, ai vim pesquisar sobre e
me diverti lendo seu artigo, gostei muito!

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