“Se você disser que é ateu, pode até perder o emprego; se não disser nada, ninguém o amola”
Um dos resultados mais surpreendentes do relatório sobre o cenário religioso americano divulgado pelo Fórum Pew é o crescimento dos chamados “não-afiliados” -ateus, agnósticos e pessoas que não pertencem a nenhuma igreja ou religião organizada.
Hoje, eles representam 16,1% da população (25% das pessoas entre 18 e 29 anos) e começam a se impor como uma força política incontornável num país de maioria crente.
Dados do mesmo Fórum Pew revelam, em contrapartida, que o eleitor americano não se sente à vontade para apoiar um candidato se ele for ateu (61%), muçulmano (45%) ou mórmon (25%).
Antes da contagem das urnas, no entanto, fica difícil saber quanto essa resposta esconde de preconceitos latentes e mais raramente assumidos em público.
Por exemplo: 15% dizem que não votariam em um candidato hispânico, 12% não votariam em uma mulher e apenas 6% não votariam em um negro -o que é espantoso num país historicamente dividido pela questão racial. Os americanos podem ter pudor de assumir o racismo, mas certamente não hesitam em expressar o horror que sentem pelos ateus.
“Os ateus são o grupo mais odiado nos EUA. Nosso principal objetivo é aumentar a tolerância em relação a eles e preservar a separação entre igreja e Estado”, diz David Silverman, diretor de comunicações da Ateus Americanos, uma organização de 3.500 membros, baseada em Nova Jersey, que defende as liberdades civis e o Estado laico.
Atualmente, a Ateus Americanos se mobiliza contra a reconstrução de igrejas com dinheiro público, em Detroit, e está processando o Estado de Utah por conta das cruzes instaladas permanentemente em estradas.
A declaração de Silverman ecoa o que Sam Harris diz em seu panfleto “Carta a uma Nação Cristã” [Cia. das Letras], best-seller de 2007: “Os ateus são a minoria mais vilipendiada dos EUA”.
Harris, por sua vez, é um dos mais inflamados ensaístas ateus que despontaram ao longo do governo Bush. E é provável que boa parte do seu sucesso se deva aos próprios religiosos, interessados em conhecer as armas do inimigo.
As de Harris são pesadas. Para ele, não há meio-termo: “O problema com a religião -assim como com o nazismo, com o stalinismo ou com qualquer outra mitologia totalitária- é o próprio dogma. (…) Ou a Bíblia é só um livro comum, escrito por mortais, ou não é. (…) E, se a Bíblia for um livro comum e Cristo, um homem comum, a doutrina básica do cristianismo é falsa”.
A Ateus Americanos foi fundada no Texas, em 1963, por Madalyn Murray O’Hair, apontada pela revista “Life”, no ano seguinte, como “a mulher mais odiada da América”.
Em 1959, Murray ganhou na Suprema Corte uma ação contra a reza obrigatória nas escolas públicas. Havia entrado com a ação em defesa dos direitos do filho, William Murray, que se recusava a participar do catecismo escolar.
Conversão
Em 1995, ela foi seqüestrada do escritório da organização, supostamente por um funcionário, e violentamente assassinada, junto com o outro filho e a neta, filha de William.
Depois da morte da mãe, da filha e do irmão, William, em nome de quem Madalyn tinha ido até a Suprema Corte para defender a separação entre igreja e Estado, se tornou um pregador batista.
Hoje, participa de programas evangélicos na televisão, dizendo o diabo contra a mãe.
Segundo Kenneth Bronstein, que dirige os Ateus da Cidade de Nova York, associação filiada à Ateus Americanos, uma das maiores dificuldades é fazer os ateus saírem do armário.
“O número de ateus nos EUA é maior que o de judeus, hindus e de vários outros grupos. O problema é que não se organizam e, portanto, não têm nenhum poder. Se você disser que é ateu, pode até perder o emprego. Se não disser nada, ninguém o amola. Você pode fazer uma analogia com os gays 20 anos atrás. Tinham medo de assumir que eram gays. Estamos no mesmo processo”, afirma Bronstein.
“É um círculo vicioso. O ateu se sente só e se fecha, o que leva a mais ignorância e medo, o que só o faz se fechar ainda mais. Trabalhamos para que as pessoas saibam quem são os ateus, para que haja menos medo e, com sorte, esse ciclo termine. Os não-religiosos são um bloco político que deve ser ouvido e reconhecido. Vão continuar crescendo com o tempo, conforme os EUA se equipararem ao resto do mundo civilizado”, diz Silverman.
Em 1954, durante a Guerra Fria, a igreja conseguiu incluir a referência a Deus no juramento à bandeira americana.
“Os religiosos nos EUA são muito fortes e estão tentando pôr a religião em toda parte. No governo, nas escolas… Como se já não bastasse o “in God we trust” [confiamos em Deus] nas cédulas de dólar. Depois vêm dizer que não somos patrióticos porque não fazemos o juramento à bandeira. Somos patrióticos, mas não vamos jurar por Deus”, diz Bronstein.
Nota do Editor: O texto acima é de 2008. Vale dizer que dois anos depois o cenário não mudou ou mudou para pior. O ateísmo, no mundo cristão, é visto, por muitos, como uma praga, como uma erva daninha que deva ser arrancada pela raiz. A mesma intolerância que se vê em paises muçulmanos contra outras religiões é vista em países cristãos contra os ateus. A maneira de resolver a questão, utilizada pelos falsos religiosos, é a truculência, que entendem ser em nome de deus...
Enéias Teles Borges
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Um comentário:
Interessante!
Fiquei aqui pensando o que aconteceria caso o tão almejado/temido decreto dominical, pregado pelo Adventistas do Sétimo Dia, fosse aprovado pelo governo norte-americano.
Os adventistas não seriam o único grupo minoritário a ser perseguido, pois os ateus também iriam protestar contra tamanha intromissão do estado na vida religiosa dos seus cidadãos. E consequentemente também seriam perseguidos.
Não é irônico? Caso o fim dos tempos se concretize como os adventistas esperam, os ateus sofrerão ao lado deles. Adventistas e Ateus morrerão abraçados.
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