sábado, 16 de outubro de 2010

Abençoado ou uma bênção?

Existia um homem muito inteligente e rico. Tinha uma mulher honrada e um filho. Ele era muito firme nos empreendimentos. Agressivo! Não misturava negócios com amizade. Para ele valia o que era contratado. Não havia desonestidade, mas a piedade não fazia parte do seu universo de mercantilismo.

Quantas negociações ele fez na vida? Muitas. Em quantas perdeu dinheiro? Nenhuma. Quantas pessoas perderam algo, muito ou tudo? Diversas. Ele era rigoroso e não sentia dó dos seus pares.

À noite reunia a família e agradecia a Deus. Sempre teve motivos para agradecer. Sabia que pessoas estavam chorando enquanto ele estava orando. Rezando e agradecendo. Agradecendo e sorrindo.

Toda noite, antes de dormir dizia para a sua esposa: “somos abençoados”!

Sua companheira era diferente. Era grata, correta e tinha piedade na alma. Não conseguia sorrir vendo outros chorando. Não conseguia reunir forças para agradecer sabendo que lares estavam estraçalhados. Sabia que a alegria no seu lar muitas vezes representava a amargura em outras residências.

Numa noite em que seu marido repetiu a frase “somos abençoados” ela, finalmente, replicou: “de que adianta sermos abençoados se não somos uma bênção?”

É possível conciliar a felicidade de alguém com a infelicidade do outro, quando o objeto da alegria e tristeza é o mesmo?

Seria possível, entre pessoas justas e envolvidas no mesmo objetivo, algumas se sentirem abençoadas ao passo que as outras não? A distribuição do bem-estar supõe, nesse caso, a mesma proporção do mal-estar?

Pois é...

Quantas vezes eu ouvi pessoas agradecerem pelas bênçãos e vi outras pessoas sofrendo em função daquelas bênçãos “atribuídas” aos “abençoados”?

O que penso, às vezes, sobre isso? Muita coisa. O que de fato faço? Apenas observo e escuto. Busco coerência entre essas ações humanas. Procuro um traço de racionalidade nisso. Não vejo.

É inaceitável imaginar um abençoado sem a preocupação em ser uma bênção. O que é mais complicado, porém, é ver a que ponto nós chegamos. O de vivermos num mundo hermeticamente fechado e que nos impede de enxergar o abismo que está adiante.

A vida sem utilidade para os outros é de futilidade imensa. Maior do que esse abismo aí na frente, atrás, dos lados, embaixo (...) e até acima de nós. Abismo acima? Sim. Alguns até o chamam de céu...

Enéias Teles Borges
Postagem original: 14 de março de 2008

6 comentários:

Anônimo disse...

Daqui a pouco irão começar te chamar de "Enéias, o contador de histórias".

Sempre gostei de parábolas por elas serem ao mesmo tempo simples e profundas, e as suas não são diferentes.

Este assunto da benção de um ser maldição para o outro pode ser encontrada nas páginas da Bíblia: Israel muitas vezes se alegrou, comemorou e orou agradecendo pelas bênçãos de Deus, enquanto, em algum outro lugar, pais choravam pelos filhos mortos (e vice-versa), famílias amargavam a perca de seu lar, de seu gado, de suas plantações, de suas cidades, e até de sua dignidade como seres humanos.

O pensamento religioso chama de "justiça divina" o fato dEle mandar (ou permitir) que a benção de Seu povo representasse a maldição de outros povos. E ainda complementa que esta justiça é sempre permeada com amor e misericórdia, inclusive para o lado que fica no prejuízo.

Desta maneira, o empresário "abençoado" de sua parábola tem como aliviar sua consciência e continuar agradecendo a Deus pelas bênçãos, pois aqueles que perderam certamente fizeram alguma coisa para merecer a maldição, e mais uma vez a "justiça divina" com amor e misericórdia se estabeleceu.

A esposa dele é que precisa de uma melhor "visão espiritual", pois não percebe que Deus os está utilizando como o instrumento de Sua justiça.

Não é assim que Bush pensa das ações dos Estados Unidos (o bem) contra os Iraquianos (o mal)? Por outro lado, os iraquianos pensam da mesma maneira vendo Bush como o grande Satã e eles como o povo de Alá.

Este tipo de pensamento pode justificar qualquer ação vitoriosa do mais forte sobre o mais fraco, pois se Deus permitiu, é porque mereceram (explica inclusive quando o "lado bom" perde, pois se perderam é por que estavam em pecado, e desta vez foi "o mal" que foi utilizado como instrumento de justiça divina).

Resumindo, a história tem dois lados a considerar:

O empresário crente pensa - Fui abençoado por que Deus quis (sou bom) e o outro amaldiçoado porque mereceu (são maus)!

Aquele que sofreu o prejuízo e que é crente - Isto aconteceu porque Deus quer nos ensinar alguma lição (mas ainda somos Seu povo) e o empresário (mau) foi o instrumento de justiça divina para nos levar ao arrependimento.

No fim, quer ganhando ou perdendo, você poderá sempre se confortar com o fato de Deus estar do seu lado e o outro lado serem os inimigos de Deus que um dia serão devidamente castigados, e você (o lado bom, é claro) será eternamente abençoado.

Como você mesmo sempre pergunta: ISTO É CONVICÇÃO OU ALIENAÇÃO?

Anônimo disse...

Interessante!

Anônimo disse...

O comentário do Cleiton foi simplesmente esplêndido!

Anônimo disse...

Texto e comentários muito bons!!! Vocês estão se revelando ótimos escritores, hein?

Lendo a "parábola" do Enéias, lembrei-me de um vizinho de meus pais lá de Rondônia, o "Zeca Diabo" (olha o nome!), dono da funerária da cidade, na época. E fiquei pensando: o que dizer de alguém que - literalmente - vive da morte dos outros?

Até aí, tudo bem. Prestar esse tipo de serviço (preparar os mortos) faz-se necessário, sabemos. Mas, o problema é quando penso na pontinha de felicidade que, muito provavelmente, ele sentiu algumas vezes quando alguém morria...

Mau para uns, bom para outros. Isso é cruel. Contraditório. É difícil aceitar. Mas a vida é assim. A vida é assim. A vida é assim.

Altamirando Macedo disse...

Está tudo na Bíblia.A terra prometida por Deus a Moisés não foi mais que uma invasão digna de um MST.( Daí surgiu o desrespeito à propriedade alheia)
A felicidade de um sempre foi a desgraça de outro. O que querem, crucificar o urubu ?
O que é benção para uns, é infelicidade para outros, e uma inexiste sem a outra.

Altamirando Macedo disse...

Está tudo na Bíblia. A terra prometida por Deus a Moisés, não passou de uma invasão digna de um MST.(Daí começou o desrespeito à propriedade alheia).
A felicidade de uns em detrimento ao sofrimento de outros. O que querem fazer, crucificar o urubu?
A benção pra uns, causa infelicidade para outros, uma inexiste sem a outra.

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