
Até os anos 1970 a questão da cultura religiosa no Brasil parecia ter duas fortes vertentes: a católica e a dos "crentes". Naqueles idos era comum a pergunta: você é "crente"? Esta consistia numa forma de diferenciar os protestantes dos católicos. Depois, com um pouco de paciência para explicar, era possível entender que os tais "crentes" eram divididos em outras agremiações: umas conservadoras, outras moderadas e as carismáticas.
Hoje a situação está confusa. Existem católicos conservadores e carismáticos. As seitas e igrejas protestantes foram multiplicadas por mil. Os protestantes conservadores não são mais ortodoxos, os moderados parecem os antigos carismáticos e os carismáticos atuais parecem vendilhões da teologia da prosperidade.
Não é possível criticar o bispo Edir Macedo ou o apóstolo Estevam Hernandes sem ficar com a sensação de que está sendo lançada uma carapuça para o ar e que ela poderá cair e ser sob medida para a cabeça sobre a qual recair.
Parece tudo farinha do mesmo saco!
Cresci num contexto protestante conservador e até parei um pouco de lá frequentar. A teologia da prosperidade já lançou seu manto de charlatanismo naquele antigo reduto sério e conservador. Não faz tempo um dos pastores (dali) sugeriu um teste: que se provasse a bênção divina durante noventa dias, sendo fiel na devolução dos dízimos e na outorga de ofertas. Milagres aconteceriam...
Notem que falo com certo conhecimento de causa. Bacharelei-me em Teologia no seminário dos Adventistas do Sétimo Dia e confesso que fiquei envergonhado com a mensagem vinda do púlpito. Envergonhado? Até nem sei se foi isso ou se já estou caminhando na direção da indiferença. Nem vontade de ir lá tenho mais. Nada existe lá que eu possa achar a não ser a presença dos amigos que seguem firmes naquele centro gigantesco de difusão da cultura religiosa. Nada contra tal processo alienatório, mas o que me incomoda é a passividade em aceitar mudanças que sabidamente são indevidas...
Voltando ao tema: será que tudo que se vê no Brasil e no mundo não é um enorme saco cheio de farinha? Será que hoje o chamamento (ou proselitismo) não é feito na base do toma lá e dá cá? A ordem seria toma lá (para Deus) e dá cá (prosperidade)?
As agremiações da fé colocam tudo à venda, mas deixam claro algo para os fiéis, algo que estes insistem em não ver ou fingir que não enxergam, que é o seguinte: colocar à venda um produto nem sempre significa que este produto esteja pronto para ser entregue. Logo: as bênçãos dos céus estão à venda, mas tais bênçãos, quem sabe, ainda não foram fabricadas pelos muitos deuses que existem neste imenso mundo do estelionato da fé...
Lembram-se daquela frase atribuída ao saudoso Tim Maia: "eu não bebo, não cheiro e não fumo... só minto um pouco..."? Incrível como esta frase parece ser constantemente proferida, de forma parafraseada, por pastores, bispos, apóstolos... Algo como: "não vendo falsas promessas, não uso indevidamente o dinheiro dos fiéis e não me envolvo em outras falcatruas... mas, como sou humano, nem sempre digo a verdade..."
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Autor: Enéias Teles Borges.-