Nota do Editor: O texto abaixo é de autoria de PAULO ROBERTO DA CUNHA VASCONCELOS, amigo intelectual de longa data. Trata-se de um indivíduo ligado ao ramo de propaganda e publicidade e um especialista em antiguidades, notadamente relógios antigos de pulso. Como muitos sabem sou apreciador dessas pequenas e engenhosas maravilhas humanas e o Paulo, posso dizer, é mestre nesse assunto. Segundo ele me disse esse texto abaixo é resultante de uma reflexão, após conversa com outro colecionador de relógios antigos – reflexão acerca da vida. Ele sentou-se diante do micro e saiu (de uma “sentada”) essa “meditação” que muito me agradou e que certamente será motivo de longo e suave pensar do amigo leitor. Agradeço ao amigo Paulo, por me permitir a postagem neste humilde, porém democrático espaço.
A Ordem - Desígnio celeste ou criação do inconsciente coletivo?
Com o surgimento da arqueologia, mesmo bem antes dessa atividade possuir este nome, o homem encontrou indícios de que nossa espécie, desde sempre, concebeu deuses os quais ditavam regras e exigiam oferendas.
Tais regras decupadas em mandamentos ou dogmas, em cada religião, época, cultura ou povo, sempre tiveram como objetivo estabelecer certa ordem no mundo. Fossem no cerne do núcleo familiar, ou da porta pra fora com os demais da tribo, vilarejo ou megalópole.
A pergunta chave seria o porque das regras ou mandamentos.
A resposta é óbvia: para evitar o caos, personificado na figura lendária e universal do demônio. Aquele anjo das trevas com cara de poucos amigos, sempre disposto a provocar e rir da desgraça alheia.
Parece evidente e claro que, também desde sempre, houve uma necessidade cabal de personificar o bem e o justo (leia-se deuses), e o mal (demônios), para focar o que seria aproveitável, ou não, para a melhor convivência entre nós seres humanos.
Partindo desse princípio, o de regras a serem seguidas segundo os ensinamentos dos deuses, fica muito óbvio também a natureza ambígua do ser humano no que tange suas próprias inclinações para o "bem", e para o "mal".
Para pontuar alguns dos extremos de nossa natureza, tomemos como exemplo o alegórico conjunto denominado "Os Sete Pecados Capitais": a gula, a avareza, a preguiça, a soberba, a luxúria, a ira, e a..., putz, eu esqueci o sétimo.
Muito bem, todos nós reconhecemos na nossa personalidade esboços desses "pecados", sejam eles em menor ou maior grau e intensidade.
Herdamos de nossos antepassados temperamentos e inclinações para certas atitudes, posturas e até manias. Posteriormente, as transmitimos para nossa prole, e nos condenamos, por assim dizer, a convivermos um bom tempo de nossas vidas com os "monstros da nossa própria criação".
O grande mistério, a grande dúvida, até maior que a da divina criação, é por que a maioria de nós combate, repele e critica essas tendências, tentando sufocá-las?
Uma resposta simplista diria que é porque atrapalham o velho e bom andamento das coisas. O excesso dos tais pecados consolidaria o caos. E isso não interessa à preservação da espécie. Em tese, iria mesmo é radicalmente na contramão dessa manutenção ordinária.
Acontece que, sem sombra de dúvida, há ainda muito espaço para detalhar todas as nuances da psique humana, e sua relação direta com o inexorável instinto de preservação. Se este instinto é inerente aos insetos, répteis e microorganismos, por que seria diferente com a espécie humana?
O que parece confuso, e porque não dizer assombroso, é a necessidade de se terceirizar para uma dimensão mitológica as regras práticas da boa convivência. E ainda pior e mais tenebroso é que esse esforço pela ordem, embasado nas religiões, sempre corroborou para que essas mesmas instituições religiosas conduzissem seus seguidores à barbárie e até mesmo ao temido caos.
Depois de refletirmos sob essa ótica, não seria mais do que lógico admitir que os desígnios divinos fossem criações de nossas próprias mentes, objetivando estabelecer e colocar em prática a mais simples regra da natureza, a sobrevivência?
Sim, faz mesmo sentido. Os intentos religiosos seriam criações do inconsciente coletivo que agem com o simples propósito de tentar apaziguar nosso caos e mazelas particulares.
Agora, o que eu quero saber a partir disso é: qual a razão desta, não raro insana, tentativa de perpetuação de uma espécie tão incoerente e autodestrutiva?
Acontece que a razão (no ambivalente sentido da palavra) é um conceito meramente humano.
A essa altura, uma formiguinha qualquer, ocupada com seus ininterruptos afazeres lá no meu jardim, nem se dá ao trabalho de "pensar" porque este humanóide aqui estaria tão intrigado com essas questões de pseudofilosofia.
Não seria mais coerente eu apenas seguir em frente?
Seria. Entretanto, não posso omitir minha inveja da formiga para "quem" foi ofertada, na sua criação, a isenção de todos os pecados do mundo.
Por ironia, o pecado capital que havia esquecido de citar no contexto foi justamente a inveja. A qual eu faço saber que, de alma completamente lavada, sinto da indefesa, porém feliz formiguinha.
Na verdade, as formigas cagam e andam para a felicidade.
Aliás, mais andam do que cagam.
Deveríamos é imitá-las.
Publicação Original: 20/10/2008
A Ordem - Desígnio celeste ou criação do inconsciente coletivo?
Com o surgimento da arqueologia, mesmo bem antes dessa atividade possuir este nome, o homem encontrou indícios de que nossa espécie, desde sempre, concebeu deuses os quais ditavam regras e exigiam oferendas.
Tais regras decupadas em mandamentos ou dogmas, em cada religião, época, cultura ou povo, sempre tiveram como objetivo estabelecer certa ordem no mundo. Fossem no cerne do núcleo familiar, ou da porta pra fora com os demais da tribo, vilarejo ou megalópole.
A pergunta chave seria o porque das regras ou mandamentos.
A resposta é óbvia: para evitar o caos, personificado na figura lendária e universal do demônio. Aquele anjo das trevas com cara de poucos amigos, sempre disposto a provocar e rir da desgraça alheia.
Parece evidente e claro que, também desde sempre, houve uma necessidade cabal de personificar o bem e o justo (leia-se deuses), e o mal (demônios), para focar o que seria aproveitável, ou não, para a melhor convivência entre nós seres humanos.
Partindo desse princípio, o de regras a serem seguidas segundo os ensinamentos dos deuses, fica muito óbvio também a natureza ambígua do ser humano no que tange suas próprias inclinações para o "bem", e para o "mal".
Para pontuar alguns dos extremos de nossa natureza, tomemos como exemplo o alegórico conjunto denominado "Os Sete Pecados Capitais": a gula, a avareza, a preguiça, a soberba, a luxúria, a ira, e a..., putz, eu esqueci o sétimo.
Muito bem, todos nós reconhecemos na nossa personalidade esboços desses "pecados", sejam eles em menor ou maior grau e intensidade.
Herdamos de nossos antepassados temperamentos e inclinações para certas atitudes, posturas e até manias. Posteriormente, as transmitimos para nossa prole, e nos condenamos, por assim dizer, a convivermos um bom tempo de nossas vidas com os "monstros da nossa própria criação".
O grande mistério, a grande dúvida, até maior que a da divina criação, é por que a maioria de nós combate, repele e critica essas tendências, tentando sufocá-las?
Uma resposta simplista diria que é porque atrapalham o velho e bom andamento das coisas. O excesso dos tais pecados consolidaria o caos. E isso não interessa à preservação da espécie. Em tese, iria mesmo é radicalmente na contramão dessa manutenção ordinária.
Acontece que, sem sombra de dúvida, há ainda muito espaço para detalhar todas as nuances da psique humana, e sua relação direta com o inexorável instinto de preservação. Se este instinto é inerente aos insetos, répteis e microorganismos, por que seria diferente com a espécie humana?
O que parece confuso, e porque não dizer assombroso, é a necessidade de se terceirizar para uma dimensão mitológica as regras práticas da boa convivência. E ainda pior e mais tenebroso é que esse esforço pela ordem, embasado nas religiões, sempre corroborou para que essas mesmas instituições religiosas conduzissem seus seguidores à barbárie e até mesmo ao temido caos.
Depois de refletirmos sob essa ótica, não seria mais do que lógico admitir que os desígnios divinos fossem criações de nossas próprias mentes, objetivando estabelecer e colocar em prática a mais simples regra da natureza, a sobrevivência?
Sim, faz mesmo sentido. Os intentos religiosos seriam criações do inconsciente coletivo que agem com o simples propósito de tentar apaziguar nosso caos e mazelas particulares.
Agora, o que eu quero saber a partir disso é: qual a razão desta, não raro insana, tentativa de perpetuação de uma espécie tão incoerente e autodestrutiva?
Acontece que a razão (no ambivalente sentido da palavra) é um conceito meramente humano.
A essa altura, uma formiguinha qualquer, ocupada com seus ininterruptos afazeres lá no meu jardim, nem se dá ao trabalho de "pensar" porque este humanóide aqui estaria tão intrigado com essas questões de pseudofilosofia.
Não seria mais coerente eu apenas seguir em frente?
Seria. Entretanto, não posso omitir minha inveja da formiga para "quem" foi ofertada, na sua criação, a isenção de todos os pecados do mundo.
Por ironia, o pecado capital que havia esquecido de citar no contexto foi justamente a inveja. A qual eu faço saber que, de alma completamente lavada, sinto da indefesa, porém feliz formiguinha.
Na verdade, as formigas cagam e andam para a felicidade.
Aliás, mais andam do que cagam.
Deveríamos é imitá-las.
Publicação Original: 20/10/2008
Um comentário:
Texto interessante!
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